domingo, 1 de outubro de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1917 "LASCA O PAU" NA 2ª DIVISÃO

                                                                “O club da Cruz de Malta”
                                                     Como éramos conhecidos pela imprensa

1917                  “Lasca o Pau” na 2ª Divisão

            A Liga Metropolitana faz uma reformulação na divisão dos associados e passa a contar com dez clubes na Primeira Divisão[1], nove na Segunda e outros nove na Terceira Divisão.
O Vasco passa para a Segunda Divisão e faz uma campanha bem melhor que a do ano anterior. Aparecem as primeiras vitórias e a classificação em 4° lugar indicava que o caminho certeiro começava a ser trilhado. A receita do sucesso estava em conquistar novos jogadores oriundos das camadas populares e contar com o apoio dos associados que se dividiam entre incentivar o Remo, principalmente, e os outros esportes.
            Talvez o jogo mais importante do ano tenha ocorrido contra um tradicional rival do Remo, o Boqueirão do Passeio. Os dois clubes fazem boas campanhas e conseguem arrastar um bom público para o estádio do América. De todos os jogos do Vasco neste ano, este foi o único que mereceu uma grande reportagem que ressaltou a rivalidade do remo levada para o estádio de futebol. Para o jornal “O Paiz”, “foi um bom encontro o match de ontem realizado entre os disciplinados teams dos nossos dois gloriosos clubs de regatas, tendo a assisti-lo uma assistência bem regular na qual se achavam representantes do belo sexo (...) O interesse que cercava este encontro era justificável porque não só os dois clubs se acham bem colocados na tabela do campeonato, como também é notória a rivalidade esportiva que entre ambos existe. Rivalidade esta que consiste em cada um querer trazer mais louros para o seu pavilhão, o que, portanto muito honra os dois rivais”[2]
            Contudo, ainda era importante superar o preconceito que os atletas do remo nutriam em relação aos jogadores de futebol. O pesquisador vascaíno Mauro Prais, seguindo as informações do ex-atleta Adão Brandão, afirma que essa desconfiança acabou neste jogo, em setembro de 1917, quando o time do Vasco vence o Boqueirão do Passeio por 3 a 0[3]. O “ ódio era tão grande que uns e outros quase não se falavam. E esse ódio só terminou em 1917, quando o Vasco se reabilitou definitivamente aos olhos dos remadores, vencendo, em partida magnífica, um dos maiores adversários do Vasco em todos os esportes”.
            Como faziam sempre os jogadores saíram desse jogo e voltavam para a sede na rua Santa Luzia. Foi então que “os jogadores de futebol tiveram a maior surpresa de toda a sua vida quando chegaram no clube. A Comissão de Futebol, com Cascadura, Narciso Basto, Fonsequinha e Pascoal Pontes estava desconfiada, mas a alegria dos jogadores era tamanha que eles resolveram entrar no clube dando vivas ao Vasco. Mas nem chegaram a entrar. Os remadores, na porta, de remo em punho, os obrigaram a entrar em carros abertos - e só então eles repararam nos carros - e foram fazer uma passeata pela cidade, irmanados, craques de futebol e remadores”[4]. Também começava a se formar um grupo aguerrido para defender os torcedores vascaínos nos jogos em que a torcida adversária quisesse intimidar os nossos adeptos. Era o grupo do “Lasca o Pau”, formado por remadores e lutadores dispostos a defender nosso pavilhão no braço. Em crônica no Jornal dos Sports nos anos 1950, o jornalista Álvaro Nascimento relembra os nomes de alguns deles: Rafael Verri, Aquiles Astuto, Adão Brandão e Edgar Lody Batalha[5].
Em julho de 1963, por ocasião da morte de Victor Alves Moreira  (conhecido como Sinhá), o amigo e cronista Álvaro Nascimento exalta um dos responsáveis pela formação da Turma da “Linha de Frente” entre os anos de 1916-1922, composta por aguerridos torcedores vascaínos dispostos a todo e qualquer sacrifício em prol do clube. O jornalista escreve uma crônica em sua homenagem, ressaltando a formação deste grupo de abnegados torcedores que lutavam de corpo e alma para o sucesso do time de futebol e da segurança da torcida nos estádios da cidade: “as novas gerações vascaínas desconhecem quão grande foi o esforço, a dedicação de homens modestos para entregar-lhes esse Vasco poderoso de nossos dias ... um punhado de dedicados vascaínos que, com sol ou chuva, nos campos suburbanos, constituía a ‘policia de choque’ a dar garantia e segurança as nossas representações".
O futebol nessa época já tinha seus adeptos, a torcida do Vasco ainda com meia dúzia de gatos pingados, já começava acompanhar o time. Como fato inédito, na época, quem chefiava essa Torcida Organizada era Dona Josefa Pereira (primeira Chefe de Torcida do Vasco), irmã Manuel Pereira, proprietário de uma casa de Tecidos[6]. Como brigava a Dona Josefa Pereira.
Novamente em suas lembranças, o jornalista do Jornal dos Sports Álvaro Nascimento, recorda 50 anos depois, o que era o desafio de torcer naqueles campos da Segunda Divisão sem as mínimas condições de segurança e os nomes dos pioneiros das arquibancadas: “naquele tempo não havia o Estádio Mário Filho (Maracanã) com dois mil policiais que garantiam a ordem. As brigas eram no Campo do Esperança, no Marco VI em Bangu, no Campo do Jardim Zoológico ou do Palmeiras, na Quinta da Boa Vista. São considerados paladinos da Torcida Vascaína, a maioria já falecidos, os seguintes Vascaínos, D. Josefa Pereira e seu irmão Manuel Pereira, Joaquim Carneiro Dias, Baltar Junior, Dr Castro Menezes, Carlos Medalhas, Albertino Moreira Dias, Ouriço, Francisco Costa, Sinhá, Fava, Zapelli, Dom Quixote”.
            O desafio de um time de futebol oriundo de clube tradicional de remo era conseguir se auto-sustentar. Para entender como isso era complicado basta ver o exemplo de dois outros clubes das regatas da época, como o Boqueirão e o Icaraí (que montaram times antes do Vasco), e que encerravam neste ano suas participações na Liga Metropolitana.
Garantir a presença da torcida nos estádios era fundamental para a sobrevivência do futebol nestes clubes. O problema era que as partidas de futebol coincidiam com os dias das regatas. Mas este era apenas um problema. O maior, talvez, fosse convencer os “novos torcedores” acompanharem um time sem grandes ídolos, enquanto os clubes tradicionais já levavam milhares de pessoas aos estádios para ver o talento das novas estrelas do esporte. As novas gerações já podiam se identificar com os clubes através de seus ídolos em campo.
Montar um time de qualidade com todas as restrições que a Liga fazia para evitar a presença de jogadores das camadas populares, era um grande desafio. Ficava o problema: sem um grande time, não tinha torcida e não tinha bilheteria. Sem arrecadação, como convencer os associados de que valia a pena o investimento no futebol? Participar da Liga não era barato. Os custos com a inscrição no campeonato e o aluguel dos estádios eram bastante dispendiosos, fora os outros gastos com material, deslocamento etc. Enfim, o clube tinha prejuízo com o futebol
            Mas um clube como o Vasco da Gama se fez de superação. Para os mais devotados ao futebol o caminho para o clube brilhar nos dois principais esportes da época estava aberto. O destino nos reservaria para os próximos anos vitórias que consagrariam aqueles jovens que em 1898 resolveram fundar um clube que unia o que melhor brasileiros e portugueses fizeram pelo nosso país. Construir uma nação para todos, sem barreiras sociais e econômicas.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Carioca, Mangueira e Vila Isabel foram os três primeiros colocados na Segunda Divisão em 1916 e assim passaram para a Primeira Divisão.
[2] Fonte: O Paiz, setembro de 1917.
[3] O sucesso do time vascaíno de futebol chegava as revistas esportivas. Na semana seguinte ao jogo eram divulgadas as fotos do time na Revista Vida Sportiva. Talvez sejam as primeiras imagens do futebol nas revistas esportivas cariocas.
[4] Fonte: pesquisa de Mauro Prais baseada em informações da trajetória esportiva de Adão Antonio Brandão, o maior atleta da história do Vasco e autor do primeiro gol oficial. Reportagens intituladas "Os Grandes Amadores", de Giampaoli Pereira, publicada em seis partes no Jornal dos Sports, de 12/12/1952 a 19/12/1952.
[5] Fonte: Jornal dos Sports, 13 maio de 1954,
[6] relata Álvaro do Nascimento Rodrigues, o Zé de São Januário, em sua coluna Uma Pedrinha na Chuteira do Jornal dos Sports em 21 de Agosto de 1968.

Vasco Revista Vida Sportiva 1917


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