quarta-feira, 10 de maio de 2017

VASCO 2017: LIVRO "100 ANOS DA TORCIDA VASCAÍNA", 1995 O PIOR ATAQUE DO MUNDO

                                                            “São uns marginais, sem vergonhas e safados”
                                                                              opinião de Eurico sobre a FJV

1995                     O Pior Ataque do Mundo

O ano de 1995 teria todos os ingredientes para ser esquecido pela torcida cruzmaltina pois a final do campeonato carioca era decidida entre Fluminense e Flamengo. O clube da Gávea que comemorava os seus 100 anos trazia de volta para o Brasil nosso ex-ídolo, Romário, e o Botafogo seria o campeão brasileiro com Túlio se consagrando artilheiro. No Fluminense, além do título carioca, o atacante Renato Gaúcho seria “eleito” o “Rei do Rio”. E o Vasco via sua caravela afundar... Mas por um motivo o ano não foi um desastre total: eram contratados do Sport de Recife, dois jovens talentos: Leonardo, atacante rápido e um habilidoso meio campista, chamado de Juninho. Os dois chegaram no meio do ano e não conseguiram mostrar todo o potencial, sofrendo com a campanha do time e a dificuldade natural de adaptação. Era apenas o começo de Juninho no clube, em pouco tempo ele se tornaria um ídolo eterno da torcida.
O presidente do Flamengo Kleber Leite, que começou sua carreira como repórter esportivo, se transforma em um dos mais ricos empresários do ramo do marketing esportivo. Ao assumir o clube promete grandes contratações com apoio de empresas que ele tinha relações. Surge a possibilidade de trazer Romário de volta ao Brasil e o desfecho todos conhecem: o atacante deixa o Barcelona fazendo juras de amor ao novo clube. A reação natural dos vascaínos é de revolta e sentimento de traição do jogador e da empresa de bebidas (Brahma) que patrocinou sua compra. Em São Januário, placas da Brahma são pichadas: “não podemos intervir nas contratações do Flamengo, mas se querem ajudar nosso adversário, não podem fazer propaganda na nossa casa”, protesta Alexander Martins, diretor da Força Jovem.
Ao chegar ao Brasil Romário faz uma série de declarações polêmicas sobre os clubes cariocas rivais e a resposta veio de imediato nos novos gritos das torcidas com o inimigo comum (Romário) ofendido nos hinos funkeiros de Vasco, Fluminense e Botafogo. Até mesmo em um jogo entre Vasco e Botafogo o alvo foi o “baixinho”. O repórter da Rádio Tupy, Danilo Bahia, revela sua impressão sobre o comportamento das organizadas cariocas: “fiquei surpreso domingo, porque ao invés dos Botafoguenses gozarem o Eurico ou o Valdir do Vasco, já estavam atacando o Flamengo”.
Até o início dos anos 1990 o funk era um estilo musical pouco ouvido nas arquibancadas cariocas apesar do sucesso que faziam os seus bailes (chegavam a levar mais de 1 milhão de jovens para os embalos nos fins-de-semana).
Os ritmos musicais que mais faziam sucesso nesta época eram o sertanejo, o pagode e o axé baiano. Apenas o último teve alguma entrada nos coros dos torcedores que sempre adotaram vários ritmos com maior ênfase nos sambas-enredos e nas marchinhas. Entretanto, o funk foi penetrando aos poucos pois havia um forte preconceito com um estilo musical considerado de “favelados”. A medida que a classe média foi aderindo a este ritmo musical o estigma foi se esvaindo e a cada ano ela seria mais e mais incorporado no Rio e nos demais estados do país.
Entre 1992,93,94 e 95 surgem os primeiros cânticos funkeiros entoados não só pelas torcidas organizadas mas por toda a extensão da arquibancada. Entretanto não houve uma substituição total das antigas formas de cantar e dos ritmos tradicionais, predominando a mistura de sons.
Junto com a música vinham as coreografias, os gestos, atitudes e palavras de uma origem diferente do habitual universo de classe média,  o que provocou uma reação inicial de espanto e saudosismo da imprensa que reagiu de forma negativa com as mudanças que se operavam no interior dos agrupamentos juvenis: o uso constante de letras provenientes do imaginário funkeiro.
O estigma do funk como um fenômeno de massa que produz violência gratuita e manifestações irracionais logo se colaram as torcidas que “perderam suas características originais” e se tornavam cada vez mais agressivas e anti-sociais.
Neste sentido se encaixa a reação da imprensa aos vascaínos com o seu próprio time  que fazia uma campanha pífia no campeonato carioca. Os protestos dos torcedores começariam pacíficos com vaias e xingamentos, mas terminariam com a invasão de São Januario e o quebra-quebra sobre o carro dos jogadores, o bar a a boutique do clube. A imprensa divulga a opinião exclusiva do clube: “os 15 seguranças do clube que vigiam a sede, afirmam que a maioria dos 120 torcedores estavam com a camisa da Força, que chegaram em 3 ônibus e mais de 10 carros”[1].
No mesmo período a imprensa mantendo o estilo de defender e atacar os movimentos sociais de acordo com seus interesses, exalta a torcida com uma grande matéria dando um enfoque positivo com o título: “ A GRANDEZA DA FORÇA JOVEM”:
“Fundada em Fevereiro de 1970, a Força Jovem é a maior torcida Independente do Brasil, independente porque é a única facção organizada que não precisa de ajuda do Clube para crescer. E a sua grandeza impressiona. Composta por 45 mil torcedores, 25 mil só no Rio, ela organiza sempre uma grande festa. Material para isso não é problema, são 12 faixas, dezenas de bandeiras, 90 peças de bateria, 120 latas de fumaça, 80 sinalizadores, um Bandeirão, milhares de balões infláveis. Para os Clássicos
A Força Jovem é dividida em 59 Famílias, a maior delas é a 4ª Família que inclui, Madureira, Pavuna e outros bairros, além de São João do Meriti e Nova Iguaçu. Para os Clássicos a concentração é em São Januário a partir do meio dia. De lá os torcedores seguem em direção ao Maracanã. Um dos dirigentes mais atuantes da Força se apressa em negar a fama de que a Torcida é violenta.
“Temos uma equipe de vigilância para evitar brigas, odiamos covardia e jamais agredimos povão. Quem tem o hábito de fazer isso é o pessoal do Flamengo”.
 As Torcidas do Palmeiras, Atlético MG, Coritiba e Grêmio são consideradas amigas. No início deste ano a Força recebeu um presente do Grupo de Heavy Metal Iron Maiden, já que o Eddie, o monstruoso mascote do grupo Inglês,  é o símbolo da facção. Uma forma de agradecer aos torcedores por divulgá-los. O presente? Um troféu em forma de cadeira elétrica.”    
Como ocorria nos anos anteriores, em qualquer torcida que visse seu time perder e não apresentasse um desempenho de luta, logo virava o motivo de protesto dos torcedores, mas agora a ênfase seria na criminalização dos protestos e a “necessidade” de intervenção da polícia para conter os manifestantes. Foi o que aconteceu após a sétima derrota seguida do Vasco no campeonato brasileiro (fato inédito) quando os torcedores protestavam contra o principal dirigente do clube, Eurico Miranda, mas a resposta ficou com a atuação das forças repressivas: “a presença de 70 Policiais do 4º BPM e do Choque acabou evitando o pior. Armados de escopetas e metralhadoras, os Policiais conseguiram assustar os torcedores que foram embora”[2].
Mas as torcidas organizadas sabiam que nem todos as pessoas queriam criminalizá-los, como o sociólogo Herbert de Souza, uma das figuras centrais da sociedade civil dos anos 1990, que mobilizou a população brasileira em uma série de campanhas contra a fome e agora trazia os torcedores para se aliarem ao seu projeto em  uma nova área de atuação: a campanha pela Paz nos Estádios[3], contando com o apoio de inúmeras torcidas organizadas da cidade.
Melhor do que contar com a boa vontade da imprensa para entender a torcida vascaína, o ideal era produzir seu próprio material. Foi pensando assim que o pesquisador vascaíno, Mauro Prais, deu início a seu trabalho pioneiro na internet, coletando materiais espalhados e aproveitando o potencial deste novo meio de comunicação. Em 1995 a internet ainda era uma realidade distante da maioria absoluta dos brasileiros, mas o vascaíno soube vislumbrar o potencial daquele novo veículo de mensagens e foi desenvolvendo um site que se tornou referência de pesquisa para todos os amantes da história do Vasco. Em entrevista ao site SempreVasco.com, Mauro Prais lembra o deu desafio: “Na época em que comecei a fazer o site não havia nada sobre o Vasco na Internet. (...) resolvi me dedicar a essa atividade como um hobby, com a finalidade de divulgar e marcar a presença do Vasco na Internet, sem fins lucrativos ou comerciais – até porque, naquela época, a Internet não era explorada comercialmente. Fiz então uma expansão da página original e a primeira versão do site estreou no início de 1995”.
No final do ano os jogos mais importantes foram contra o Flamengo e os alvos dos protestos eram Eurico Miranda e Romário. Para o dirigente foram confeccionados panfletos e faixas exigindo sua saída: o vice-presidente de futebol do Vasco, Eurico Miranda, foi atacado tanto pela torcida de seu clube como pelo técnico do Flamengo Washington Rodrigues. A torcida organizada Força Jovem distribuiu cerca de 40 mil panfletos exigindo a saída de Eurico, com o título: “Eurico, o exterminador do futuro”. Na arquibancada, a torcida abriu uma faixa, “Fora Eurico”. O dirigente já havia reagido a campanha. Proibiu o presidente da Força, Antônio Brás de entrar no clube e vetou faixas no estádio do Vasco”[4].
Com a Flapress promovendo o clube com o “ataque dos sonhos”, restava a realidade comprovar que no futebol ninguém ganha no papel. A escalação dos três atacantes jamais funcionou como o esperado e a gozação dos adversários foi crescendo. Neste jogo, a Força Jovem criava uma paródia de um comercial de sucesso de uma companhia aérea satirizando com o ataque rubro-negro: “Pior Ataque do Mundo/ Pior Ataque do Mundo/ Para um pouquinho, descansa um pouquinho/ Romário, Sávio e Edmundo” .
A provocação de Romário para a torcida vascaína, quando ele afirmou que “eles deveriam levar lenços para o estádio pois iriam chorar muito” teve efeito contrário e o ex-ídolo viu poucos motivos para comemorar sua volta ao Brasil ao final do ano de 1995 e a péssima campanha no campeonato brasileiro. Tanto ele como Edmundo, que fez gestos obscenos para a torcida do Vasco, o ano terminou em grande frustração para os atacantes que formavam uma dupla cantando um rap dos “Badboys”. Edmundo acabou se envolvendo em um acidente automobilístico e no seu indiciamento pela morte no episódio. No ano seguinte o atacante retornaria ao Vasco e nos próximos anos sempre declarava o erra de ter vindo jogar pelo rival.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] Fonte: O Globo 30 de Maio de 1995.
[2] Fonte: Jornal do Brasil 13 de Outubro de 1995, com o título: “VASCO PERDE E VIRA CASO DE POLÍCIA”
[3] Fonte: Jornal Folha de São Paulo 15 de Setembro de 1995
[4] Fonte: Jornal Folha de São Paulo 30 de Outubro de 1995

Vasco Maracanã 1995

Vasco Jornal O Dia 1995


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